Há cerca de 1900 anos, nas distantes terras da Síria, um homem, que exercia a profissão de mercador, ouviu falar da grande epopéia do Cristianismo nascente e se emocionou. A grande perseguição aos cristãos, o heroísmo daquelas almas que se deixavam imolar, sem reação, em nome de um ideal espiritual, eram coisas que iam além de sua capacidade de entendimento.
De tal maneira empolgou-se com as notícias e descrições dos grandes espetáculos sangrentos que se davam em Roma e nas regiões da Palestina, trazidas por viajantes, que converteu-se também ao Cristianismo, conquanto sem dispor de maiores informações a respeito, passando a ouvir sofregamente algum pregador dos princípios da Boa Nova que chegavam até ali, e a ler todos os pergaminhos que conseguia contendo informes sobre a nova Doutrina e as peripécias dos recém-convertidos.
Admirava a coragem de homens, mulheres e crianças que, aprisionados pelos esbirros de César, caminhavam para as arenas do martírio cantando hinos de louvor aos céus pela oportunidade do testemunho. Assim pensando, decidiu oferecer a própria vida também em holocausto ao novo movimento redentor e passou a rezar ardentemente a Alah ou ao Deus dos cristãos para que seu nome fosse aceito dentre os escolhidos para o martírio.
Empolgado com tais idéias, um dia, ao adormecer, sonhou que subia, subia, até atingir a morada dos anjos. Uma alma de peregrina beleza e doçura, em forma de mulher, apresentou-se-lhe e informou que seu oferecimento para o martírio fora aceito pelo Senhor.
Surpreso e emocionado, sentiu-se repentinamente recambiado ao chão e acordou recordando nitidamente o sonho singular. Desde então passou a aguardar, entre apreensivo e contente, o momento do testemunho supremo. Sempre que tinha ensejo, declarava sua condição de cristão e procurava converter a quantos podia à nova Doutrina. Todavia, por mais que fizesse, nunca sentiu a reação de qualquer perseguição, o que não ocorria nas terras onde vivia.
E o tempo passava, passava, viagens após viagens, trabalho, contatos, pregações e nada de perseguição, até que começou a sentir-se desalentado, cogitando se não teria cometido alguma falta que tivesse desagradado ao Senhor da Vida, acarretando a revogação da aceitação de seu sacrifício. Depois de muitos anos, recordando ainda claramente aquele sonho expressivo que tivera, considerando que não podia ser mera fantasia de sua mente.
Passados, porém, os momentos de divagação, retomava o trabalho, com todo o critério e a alegria de levar suprimentos e novidades aos clientes que se acostumaram a esperá-lo a tempo certo.
Assim, sob o peso do trabalho rude, enfrentando sempre o desconforto da canícula, o pó do deserto e os perigos do caminhos, chegou à velhice, arcado e extenuado, sentia, porém, que ainda que não era tempo de abandonar o serviço. Ademais, viajando e tendo contato com muita gente, é que tinha ensejo de declarar sua condição de cristão, até que alguma perseguição o tomasse como vítima da nova Doutrina.
Certo dia, suportando a custo os solavancos do animal em marcha pachorrenta na longa viagem, sentiu-se mal e caiu. Sozinho, ofegante, suarento, em meio ao árido areal, viu-se desamparado. Os dois camelos, suas únicas e habituais companhias, após esperarem algumas horas, seguiram caminho sem o condutor, em busca da própria sobrevivência.
Absolutamente só agora, queimando em febre, começou a delirar. Por sua mente passava, como em visão acelerada, todas as cenas de sua vida, com ênfase nos fatos relacionados com sua admiração pelo heroísmo dos cristãos, a beleza das pregações do mestre Galileu, a história comovente de sua crucificação e... sua decisão de doar a própria vida pela nova Doutrina. Não era possível – pensava – que sua existência viesse a terminar ali, sem que se desse o martírio previsto.
Brando sono se apoderou dele e sentiu-se leve, subindo, subindo... Nisso, vê novamente a figura doce da alma santificada que lhe havia aparecido em sonhos décadas atrás a recebê-lo informando, naturalmente: - Eliakim, não chores, nem te deixes abater! Tampouco suponhas tenha havido qualquer falha em tua vida ou nas promessas do Senhor, de que fui incumbida de comunicar-te. Teu sacrifício foi aceito, sim, e cumpriu-se de forma admiravelmente correta. Entregando-te ao trabalho árduo no dia-a-dia e levando a tanta gente o suprimento que esperava, cumpriste tua parte no concerto da vida e deste-te em louvor ao bem. Não viveste para ti mesmo, Eliakim, mas, servindo ao próximo, dividiste tua vida pela vida de muitos. Não foste vítima de perseguições sanguinolentas, mas mantiveste acesa a lâmpada da esperança com o teu sangue circulando nas próprias veias e levando as notícias da Boa Nova juntamente aos produtos próprios de teu trabalho. Sê benvindo à Casa do Senhor!...
A estória, caro leitor, traduz bem a condição do trabalhador do Evangelho nos dias atuais. A época dos sacrifícios sangrentos passou, mas a oportunidade do testemunho se oferece aos amigos do Grande Mártir da Cruz da mesma forma. Sacrificando-se a cada dia, no anonimato das próprias obrigações, esquecendo-se a si mesmo para atender aos deveres para com o próximo, levando, nos contatos do cotidiano, as “especiarias” de nossa mensagem viva de paz, paciência, tolerância e abnegação, podemos fazer-nos discípulos modernos do Excelso Mestre e com o mesmo mérito daqueles que deram sua vida nos circos do martírio...
Não deixemos vacilar nossa fé, nem nos cansemos de lutar por levar o suprimento espiritual do bem a quantos pudermos beneficiar. Todas as vezes que a sensação de carência pessoal nos assaltar, sugerindo-nos a idéia de ocuparmo-nos mais conosco mesmos esquecendo os outros, lembremo-nos da estória de Eliakim, o Mercador, e recobremos o ânimo.
E sendo fiéis nesse testemunho de cada dia, vamos morrendo aos poucos, dando a vida ao Senhor gradativamente, para merecermos ter acesso ao grupo de almas nobres de Seus amigos, que nos antecederam na árdua, mas compensadora escalada.
terça-feira, 15 de junho de 2010
Eliakim, o mercador
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